Ora, ora, quem diria eu por essas bandas... meio envergonhada já! Mas tudo bem, senti falta daqui e dos amigos que a mim visitam e eu a eles dou meu pitacos vez ou outra. Saí de uma aula de Literatura Rio Grandense, e senti vontade de expor um poema trabalhado... e somente depois de ler duas vezes fui entendê- lo.
GURÍ
- Pstiu, caalo!
O pingo, bagual novo, se parara arpista com o reboliço, instigando o ginete para uma escaramuça. Espantado, fogoso, cabeça erguida, trocando orelha, olhando longe, era um urco de grande o pangaré do Nilo.
- Cuidado, rapaz, que esse animal é velhaco.
- Não deixei as pernas em casa.
O guri, de ouvir, já sabia responder.
E não cansava de pular proezas, enganchado no cavalo de sarandi, com uma tira de pano, que era a cola, quebrada em cacho de três galhos bem em cima, lá onde canta o galo e os cuscos não alcançam.
- Volta, volta, boi!Batendo as aspas pontudas no atropelo da disparada xucra, a novilhada estralava os cascos duros num estrondo, como chuva de pedra no chapadão raso como uma tábua.Gritaria. Agachadas. Guascaços puxados. Sofrenaços. Esbarradas compridas assinalando no chão a marca da sua violência. Tiros de laço, largados com maestria uns, e outros guampeando as macegas nomais. Rodadas feias. Silvos de boleadeiras pelo ar. E cavalos correndo soltos com arreios.Um lote grande se cortou rumando o aramado. Na ponta, embora bem montado, o Ricardo, solito, não podia sujeitá-lo.E se aproximavam ligeiro da cerca, que estava bem de pé, estirada, era toda de madeirama nova.A chapada, de resvaladia, era um sabão.
E a manhã, claríssima, tonteava, de tanta luz.
Do oitão do rancho, montado no seu cavalinho de pau, o Nilo entusiasmado, contente, batendo os pezitos no chão, que o pingo fogoso não parava quieto, não tirava os olhos do grande cenário.Nunca vira aquilo. E estava gostando de ver. Tinha lástima de não ser homem ainda para andar lá também, e correr e se arriscar.Num vá, a cerca deitou. Assobiaram fios de arame arrebentados, e voaram lascas de pau, cravando longe no chão como estacas.Tropeiro, cavalo e boiada uniram-se num bolo só. E daí um pedação, apareceram com o Ricardo de arrasto num couro, sangrando.Quebrara-se no golpe. Mas não gemia, procurando disfarçar a dor. O guri recolheu, na esperteza campeira dos olhitos alarifes, toda a viva emoção daquele instante supremo na vida do gaúcho.Todos estavam calados. Ele também. Não indagava nada. Olhava nomais.O índio pediu um cigarro. Tragou uma pitada e morreu.
Esse dia o guri não brincou.
Dias depois encontraram o Nilo, deitado debaixo do mesmo umbu, bem espichado, com um cigarro apertado entre os dentes, fingindo-se de morto.Faz de conta que numa tropeada braba levara uma virada mui feia.Perto, branqueando ao sol, a sua tropa. Ossada limpa!A cerca de um fio de barbante, suspenso antes na ponta de dois pauzinhos finos, toda caída no chão.
Ao lado do aramado, morto, o bagual pangaré.
(Guri- Cyro Martins)
Dentro de nós existe uma eterna e inexperiente criança, que tira da vida que vê base pra sua própria vida, às vezes isso dá certo, outras é frustação e outras nem tanto... Basta saber escolher qual espelho mirar.