E tem dias que me dou conta de mim, me chamo no portão, convido pra entrar, pensar um pouco, me sentar.
-Quem sabe um café com adoçante? (minha pessoa detesta qualquer substância que adoce o café, qualquer, mas já que não serei eu a sentir o gosto...oito colherinhas basta.)
E nessa conversa, entre a fumaça fumegante que brota de dentro da xícara e uma formiga que vagueia pela borda do pires, vejo como eu me poderia ser diferente, trazer o cabelo alisado, estar morando nos "states", ou já estar casada com uma penca e meia de filhos. E daqui sentada posso imaginar estes me chamando a toda hora:
-Ô mãããe!! A aninha disse pro Paulinho que o zezinho queria me empurrar da bicicleta com o Marquinhos na garupa...
Ou ainda tivesse num curso que eu gostasse, e a possiblidade de me apaixonar pelo que eu faço , o que ainda não aconteceu. São tantas as possibilidades que vejo no estado em que me olho agora, ali eu mais mim mesma, sentadas frente à frente... mesma altura, cor dos olhos, tom de pele, até mesma roupa, a única diferença, é o aspartame que me passa arranhando na garganta.
E eu ali, olhando as paredes, clarinhas como se fossem maçã verde, as portas de entrada à cozinha em detalhes lisos, sem frisos, tudo aparenta ser muito bem arrumado, o que denotam uma pessoa aciada.Na estante alguns porta retratos, um som Aiko todo prateado, sei que pelo estilo, em outra década deveria ser "o top", alguns livros e duas caixinhas trabalhadas à mão por algum artesão deveras paciente, pela quantidade de detalhes.Imaginava levantar e levar a mão na direção daqueles quadradinhos, sentir um toque àspero naquela madeira macia, levar ao olfato, será que tinha aquele cheirinho de madeira? Com certeza se tivesse, relacionaria com minha infância, todo e qualquer cheiro característico me remete a ela...
Fico num suspiro vendo os desenhos como um grande labirinto e meu pensamento volta ao sofá de flores rosas e cabos marrons. Me observando assim, em mim, acho que poderia aparar o cabelo, e essa cor de batom que meu eu tanto adora, nem me cai tão bem quanto ele pensava, às vezes a gente se engana, e se engana feio...
*Continuando. . .
Um olhar com os olhos externos... Até que eu me vendo assim, a vida fica fácil, acho solução pros problemas meus, vejo que nem tudo é tão apavorante , que o limite do cartão pode ser aumentado sem riscos (que conseguirei me controlar) ou que deveria começar a me alimentar melhor... correr, comer salada de rúcula que sempre me soou meio picante na língua, nunca gostei dessa sensação, de algo incomodando, mesmo um gosto.
Enquanto meu café esfria nessa prosa desenrolada de observações sobre mim, me deixo esquecer que sou eu, por instantes me vejo numa vida que poderia ter sido minha, mas que eu não quis, no entanto não é minha, ficou perdida nos anos que passaram pela ampulheta, enfim, ela agora não é de ninguém...
-Uma confissão :- Viver essa possível vida de outro, mesmo que esse outro seja eu mesmo, fica tãão mais fácil! Isso faz me sentir com vontade de palpitar livremente, sem receio nem medo de estar fazendo a minha cabeça em algo que possa a não ser tão bom palpite assim... e até criar um boato sobre minha vida. Poderia ser um caso com o novo Padre da paróquia, ou um atropelamento em faixa de segurança, coisas que abalam o social de cada um, afinal, não serei eu que terei um dedo indicador sendo apontado vez ou outra na rua, mas a outra pessoa que hà em mim. De tempos em tempo, hà essa duplicidade involuntária de pensamentos, vontades e às vezes atos, mas não quero falar disso assim, é algo que alguns podem não compreender, achar fútil, falso, e não é nada disso. É algo que o domínio não abrange, parece que pensamentos me afloram, me deixam nua e saio a vaguear por ai, como fosse uma borboleta azul, bem levinha e esvoaçante.
E ainda que o café tenha acabado, a conversa esfriado e a formiga que antes vagueava encontrado o seu amparo, dentro das sobras do café. Ambas as pessoas que estão sentadas no sofá e até agora, apesar de não terem trocado uma palavra, sabem que apesar de toda a diferença que há entre elas, há algo mais inevitável ainda, “ que são as escolhas que trazem as renúncias” , e as renúncias certas vezes me trazem a entrada de um túnel escuro lá ao loonnngeee... Que fique lá, que não chegue perto.
E esta na hora de sair pra eu mesma tomar as rédeas, e se olhar a vida dos outros é fácil, eu ainda prefiro a minha, que é sinuosa, eu confesso, mas ela me é tão própria... por isso fica mais fácil ainda eu viver e ser dela.
Ahh. E agora de lay novo, graças a ela , resolvi usar a mesma imagem, pois, me identifico muito com ela, já esta virando marca registrada. (rss). Obrigada, flor.
(desconfio que ficou assim, meio cansatiivvooo, mas fazer o q , n ia cortar o assunto, né)?